SEJAM BEM VINDAS, MAMÃES!

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A SEMENTE DA VIOLÊNCIA


(por Dr. Antônio Marcio Junqueira Lisboa) [*]

A sociedade se interroga querendo saber o porquê da violência contra um pobre índio, queimado por um grupo de adolescentes de classe média alta. Infelizmente, tal como soubemos pelos jornais, queimar mendigos por brincadeira ou perversidade é uma ocorrência relativamente comum, em algumas capitais. Há poucos dias três rapazes foram entregues pela polícia aos populares, que, após tentarem linchá-los, acabaram queimando-os vivos. Em São Paulo, Rio, Porto Alegre pais são assassinados pelos filhos, sem nenhuma razão aparente ou atrás de herança. Adolescentes, sem habilitação, em carros importados, matam pessoas, sob a vista grossa dos pais, que se desculpam dizendo não conseguir controla-los.
Em todas as funções ou profissões, encontramos marginais: deputados que roubam, vendem-se ou defendem privilégios inaceitáveis; juízes venais; médicos cobrando “por fora”; sacerdotes abusando de crianças; advogados desonestos; policiais que ficam milionários à custa de achaques e mutretas; policiais mancomunados com delinquentes que ameaçam a população e matam por motivos fúteis; militares de altas patentes que enriquecem à custa de licitações fraudulentas; políticos que entram para o governo pobre e saem riquíssimos; pessoas de alta sociedade envolvidas com tráfico de drogas; cidadãos ditos respeitáveis comprando e vendendo meninas, estimulando a prostituição; funcionários usando seus cargos para enriquecer ilicitamente.
Entretanto, o pior de tudo é a violência encoberta, aquela que ocorre no lar, onde se contatam espancamentos, maus tratos, estupros, sem punição. A doméstica, que representa quase metade dos casos de violência sob suas diferentes apresentações, tem enorme importância em sua gênese e perpetuação.
Os fatos são registrados pela mídia de todos os países, pois a violência é universal. Infelizmente, está sendo combatida de forma errada. As ações advogadas, que chamamos de curativas, são dirigidas ao controle dos fatores predisponentes, ou mesmo dos desencadeantes, nunca contra os determinantes, mais importantes, e que deveriam ser realmente combatidos.
Há mais de dez anos, em todos os inúmeros fóruns de que tenho participado, tenho denunciado esse erro de direção, sem conseguir sensibilizar as autoridades que continuam a acreditar que, melhorando a situação socioeconômica, acabando com a miséria, o racismo, a impunidade, o narcotráfico, treinando policiais, construindo prisões e centros de recuperação, matando marginais, denunciando agressores, infratores, delinquentes, criando conselhos e delegacias especializadas, iremos conseguir controlar ou diminuir a violência. Ledo engano. São medidas paliativas. Afinal, tudo isso vem sendo tentado há quase um século. E os resultados? O clima de terror cresce assustadoramente. Assaltos, sequestros, homicídios, estupros, roubos fazem parte do dia a dia. Sobressaltada, trancada em casa – algumas são verdadeiras fortalezas – sem poder sair à noite, a população inerme não sabe mais o que fazer. Infelizmente, nem os órgãos de segurança, que confessam abertamente sua impotência em controlar a situação.
A semente da violência é plantada na criança antes dos seis anos. Franco Vaz já disse isso em 1914. Existe uma fórmula segura para se criar delinquentes, marginais, criminosos, corruptos. Basta atuar sobre a criança: não lhe dê atenção, ignore-a, humilhe-a e provoque-a; grite um bocado. Mostre sua desaprovação por tudo o que ela fizer; encoraje-a a brigar com os irmãos, os colegas e amigos; brigue bastante, principalmente no sentido físico, com seu parceiro conjugal, na frente das crianças; ameace, grite e bata bastante nela; engane-a, minta-lhe. Seja também permissivo. Ensine-lhe que o mundo é dos espertos, vangloriando-se junto a eles dos atos de que deveria se envergonhar.
E se isso não resolver, coloque-a em frente à televisão e dê-lhe carta branca para assistir a todos os espetáculos violentos possíveis. E também às novelas, em que a desestruturação familiar é mostrada como um ganho social, e as safadezas, as imoralidades e os atos de atentado ao pudor são mostrados como fatos moralmente aceitáveis. Essas medidas são infalíveis para plantar na criança, seja ela pobre, rica, branca, negra, amarela, brasileira, americana, inglesa, japonesa, a semente da violência.
Daí pra frente, bastará encontrar um terreno fértil para que ela cresça, germine e dê os seus frutos – a truculência, os furtos, os assaltos, os sequestros, as torturas, os estupros, a corrupção, a agiotagem.
Até os seis anos a criança não é violenta. Nosso grande trabalho será o de combater os fatores responsáveis pela implantação dessa semente. Sua existência, ou não, explica por que um motorista leva uma fechada e não se importa, e outro desce do carro, ameaça, briga e até mata. Ou por que um taxista encontra uma pasta com dinheiro, procura o dono e a devolve; e outro, mesmo sabendo quem é o dono, não a devolve e ainda faz uma festa em comemoração.
Toda ação deverá ser dirigida no sentido de proteger a criança dos fatores que possam da normalidade no início de estruturação de sua personalidade, do seu caráter, da sua moral. Ou seja, antes dos dois anos. Um dos mais importantes deles é a privação materna. Nenhuma criança deveria ficar um dia sequer além do necessário para se conseguir uma substituta, o que implicaria profundas mudanças no sistema de adoções.
Como esses exemplos, inúmeros outros conhecidos e infelizmente desconsiderados em sua importância pelos especialistas no combate à violência. A tarefa será árdua, mas, a meu ver, menos do que acabar com a impunidade e, além disso, muito mais barata. Por que, em vez de continuarmos tentando acabar, sem resultado, com os delinquentes, não passamos a trabalhar no sentido de formar bons cidadãos?

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[*] O presente texto foi extraído do livro “Seu filho no dia a dia: dicas de um pediatra experiente”, editora Record. O livro é uma coletânea dos textos que O Dr. Lisboa publicava na sua coluna no jornal no “Correio Brasiliense”, na década de 1990. O livro tem textos com dicas sobre todos os tipos de dúvidas mais comuns dos pais, ao educarem e cuidarem dos seus filhos: alimentação, desempenho escolar, comportamento infantil (desde sexualidade, até agressividade) e etc. Se tem alguma coisa na qual o Dr. Lisboa é radical, é ser radicalmente CONTRA bater em crianças! Eu tive a felicidade e a honra de ter sido paciente dele quando era criança. AMODORO!

Um comentário:

  1. Taicy não sabia q tinha blog amore!
    Parabéns por distribuir tantas boas informações.
    Bjus

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