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terça-feira, 17 de abril de 2012

Os Riscos do Desfralde Precoce: um medico em defesa do treino de toalete mais tardio


(Por Dr. Steve Hodges, com Suzanne Schlosberg)
Você provavelmente já ouviu os argumentos em favor de começar cedo o treino ao toalete. Eles começam cedo na Europa! Bebês colaboram mais do que crianças de 3 anos! Fraldas são ruins para o meio ambiente! Talvez você já até mesmo lido estudos científicos concluindo que as crianças que começam o desfralde mais tarde têm mais chances de terem dificuldades.
Como urologista pediátrico especializado em treino ao toalete, eu lhes digo o seguinte: Crianças com menos de 3 anos não deveriam ter de lidar com o treino ao toalete, tanto quanto não devem cuidar das poupanças para pagar a faculdade. Escolas infantis que exigem que crianças com menos de 3 anos já estejam desfraldadas (como uma escola na Virgínia que deu uma suspensão à pequena Zoe Rosso, de apenas 3 anos e meio, por molhar demais as roupas ) estão prejudicando as crianças. E o treino de bebês, promovido por alguns autores, como Mayami Bialik em seu novo livro “Beyond de Sling”, é uma ideia maluca. A não ser que, como Bialik, você monitore o bebê 24 horas por dia, dê-lhe uma dieta vegetariana rica em fibras e não mande seu filho para a creche. As crianças precisam experenciar a eliminação de fezes e urina sem se preocuparem com expectativas de usarem o sanitário em idade tenra.
Não significa que crianças pequenas não possam ser treinadas para o uso de toalete. Com certeza elas podem. Mas conseguir fazer cocô no penico quando levada até ele não é o mesmo que saber reconhecer e interpretar os sinais do próprio corpo de que ele precisa evacuar.
Vamos acelerar dos dois para os três anos. É nessa idade que as crianças desfraldadas precocemente aparecem no meu consultório, com queixas de escapes de fezes e urina, infecções repetidas no trato urinário ou enurese noturna (molhar a cama à noite).
“Eu não entendo”, diz a mãe, “eu nunca a forcei, ela praticamente se desfraldou sozinha”.
            Eu acredito na mãe. Mas infelizmente esse é um quadro típico de crianças que são treinadas precocemente, e quanto mais precoce, tanto mais graves são os problemas. Eu vejo por volta de 100 crianças por semana em meu consultório, e metade delas têm disfunções de evacuação, tendo a maioria sido desfraldada antes dos 3 anos.
Para compreender os riscos do desfralde precoce, é importante compreender que praticamente todos os problemas de desfralde (vazamentos de fezes e urina, enurese noturna, infecções do trato urinário) estão relacionados ao fato de segurar cronicamente a urina, as fezes ou ambos.
Crianças (TODAS as crianças) não gostam de interromper suas atividades para ir ao banheiro. Uma vez que elas aprendam a segurar a urina e as fezes, que basicamente é a essência do treino ao toalete, elas tendem a segurar pelo maior tempo possível. Esse é um hábito perigoso. Toda vês que você contrai seu esfíncter para que não vaze urina, você cria uma resistência na sua bexiga. O quê acontece toda vez que você contrai seus músculos da bexiga? Exatamente o mesmo que ocorre quando você malha na academia. Eles se tornam mais espessos e fortes. Mas ao contrário de um bíceps, uma bexiga espessa é ruim. Ela tem reterá menos urina e perderá a sensibilidade. Quando uma criança segura o xixi, por meses e anos, a parede da sua bexiga se torna mais espessa, eventualmente a bexiga se torna tão forte e irritada que pode vazar sem que a criança perceba.
Segurar cronicamente as fezes (encoprese) um problema que é exacerbado nas crianças com dietas pobres em fibras, piora o estrago. Uma massa de fezes se forma no reto logo abaixo da bexiga, e pode estender o reto de 2 até 10 centímetros de diâmetro ou mais, tomando espaço na pélvis e fazendo com que a bexiga não consiga conter a urina. Além disso, os nervos que controlam a bexiga, e que passam por entre a bexiga e o intertino, ficam irritados quando o intertino está alargado, causando contrações involuntárias da bexiga – em outras palavras, causam escapes constantes.
            Embora ninguém poste no Facebook, “Meu filho molhou a cama de novo”, problemas com o treino de toalete são crescentes na nossa cultura. Consultas a médicos pediatras motivadas por constipação dobraram na última década, e consultas a hospitais pelo mesmo motivo quadruplicaram. Na idade de 7 anos, 8% das meninas já tiveram uma infecção do trato urináriofazendo parte de um milhão de consultas a médicos pediatras e 14% de todas as emergências em pronto socorros pediátricos. Além disso, cinco milhões de crianças molham a cama, incluindo cerca de 20% das crianças de 5 anos, 12% das de 6 anos e 10% das de 7 anos.
            Embora esses dados sejam robustos, acredito que tais número ainda são subestimados. Uma vez que os pais tendem a acreditar que problemas com o treino de toalete são normais, muitos não procuram ajuda médica para isso.
            Mesmo nos casos em que a ajuda médica é solicitada, muitas vezes a causa dos problemas com treino de toalete passa desapercebida. Muitos pais, e também muitos pediatras, acreditam que constipação equivale à defecação infrequente. No entanto, muitas crianças constipadas defecam diariamente, até várias vezes ao dia. Grandes massas de bolo fecal endurecido podem passar desapercebidas, pois as fezes mais moles podem passar por elas, dando a impressão de que a criança evacuou toda a massa. Foi isso o que aconteceu com Zoe Rosso, a garotinha que foi suspensa da pré-escola, e que agora é minha paciente. Zoe tinha uma rolha de bolo fecal do tamanho de uma maçã dentro do reto, porém o pediatra e também o urologista pediátrico não perceberam isso, pois não pediram exames de raio X.
Muitos estudos já publicados (inclusive um de nossa autoria, publicado em 2012 na revista “Urology”) mostram que quando se dissolve a rolha de massa fecal e previne-se a formação de novas massas, os vazamentos, infecções urinárias e enurese cessam. Nossos estudos apenas confirmaram os resultados de um estudo canadense, publicado nos anos 80. Isso demonstra cabalmente que as crianças com problemas de enurese eram severamente constipadas, embora mostrassem pouco ou até nenhum sinal disso, e que tratar da constipação resolveu a enurese e as infecções do trato urinário. (Vale lembrar que constipação significa a obstrução do reto por massas de bolo fecal, e não deixar de evacuar regularmente.)
A razão pela qual as crianças que foram desfraldadas aos 2 anos mostram mais problemas do que as crianças treinadas depois, em minha opinião, é o fato de que estas últimas puderam passar mais meses ou anos decidindo por si mesmas quando urinar ou defecar – antes que elas fossem maduras o suficiente para entender a importância de eliminar assim que sentissem vontade. Além do mais, a bexiga precisa desses 3 ou 4 anos de crescimento e desenvolvimento, e ter hábitos de eliminação livres (leia-se: fraldas) facilita o seu desenvolvimento máximo.
Os pais geralmente me dizem que seus filhos têm vazamentos por que “têm a bexiga pequena”, como se isso fosse congênito. Talvez a criança tenha uma bexiga pequenas, mas somente porque a sua capacidade foi comprometida pela sua constante contração.
Com qual frequência eu vejo uma criança que ainda usa fraldas e tem infecções urinárias recorrentes? Nunca. Com que frequência eu trato crianças recém treinadas no desfralde com infecção urinária recorrente? Todos os dias. Essas crianças são 25% dos meus pacientes. Isso não é mera coincidência, e demonstra muito claramente que o treino precoce do uso do toalete é prejudicial e perigoso. É impossível que crianças saudáveis, com desenvolvimento normal, que não sofram de constipação, e aprendam a usar o penico com 3 anos e meio de idade tenham enurese ou encoprese crônicas do que as crianças treinadas aos 2 anos e meio. Crianças que usam fraldas não constipam, muitas crianças em processo de treinamento de toalete o fazem. Cada ano de sem constipação, sem a exigências e regras para a evacuação – em outras palavras, usando fraldas – leva ao crescimento da bexiga; cada ano de contração para segurar os esfíncteres faz a bexiga encolher e se tornar mais irritável e hiperativa.
            Pense nisso: a terapia padrão para os vazamentos envolve dar-lhes laxantes e coloca-las de hora em hora no penico, tirando a decisão de quando evacuar de suas mãos.

Talvez você ainda não esteja convencido a esperar até os 3 anos pelo desfralde. Talvez você se pergunte: e sobre as pesquisas que mostram que é o treinamento de toalete tardio, e não o precoce, a causa das constipações e vazamentos?
            Bem, há uma grande falha nessas pesquisas. Seus autores não checaram, com exames de raio X, para ver se as crianças sofriam de constipação quando começaram a ser treinadas. Os arquivos da minha clinica mostram que, entre as crianças treinadas mais tarde, não é a idade em que começou o treinamento, e sim a constipação não diagnosticada, que está correlacionada aos problemas. Nós descobrimos que as crianças treinadas depois dos 3 anos geralmente começaram o desfralde mais tarde porque já eram constipadas (seus pais tentaram antes, sem sucesso).
            Então, se você está fazendo o treino de toalete com seu filho de 2 anos, porque a escola que você escolheu assim o exige, eu sugiro que você procure outra escol. Mandar uma criança de recém desfraldada para a escola apenas aumenta o risco de problemas de constipação, especialmente se as escolas não permitirem nem mesmo o uso de fraldas “pull ups”. Pense bem: você estará colocando uma criança de 3 anos num ambiente desconhecido, possivelmente pela primeira vez em sua vida, para local onde ela não terá membros da família por ao menos metade do dia. E você espera que a criança interrompa a professora durante a rodinha de história, e anuncie que precisa usar o penico, ou que ela saia do forte que ela está construindo com seus amiguinhos e vá sozinha até o banheiro. Seja quem for que ache que essa é uma boa ideia, certamente nunca pisou numa clinica de urologia pediátrica.
            Para piorar, essas crianças ainda são mal equipadas para lidarem com as políticas restritivas ao uso de banheiros que as esperam na escola primária e depois dela. Tenho incontáveis pacientes que desenvolveram a capacidade de segurar as fezes e a urina das 7:30 até as 16:30 – e desenvolveram sérios problemas de bexiga e infecções urinárias recorrentes por isso.
Crianças recém treinadas para o desfralde precisam de acompanhamento constante, não importa quanto tempo elas consigam permanecer secas, e quanto mais cedo você decide treinar uma criança, maior é a sua responsabilidade de checar e estimular de perto suas necessidades e hábitos de micção e evacuação. Crianças precisam ser lembradas de ir ao banheiro a cada duas horas. (E as pessoas que cuidas das crianças jamais deveriam apenas perguntar se elas querem ou precisam ir ao banheiro, pois a maioria das crianças responderá que não. É seu trabalho instruir à criança sobre quando ir.)
            Também é importante olhar como estão as fezes da criança sempre que você tiver uma chance (por sorte, a maioria das crianças esquece de dar descarga!). As fezes devem ser finas e/ou pastosas, como purê de batatas. As fezes amolecidas e aquosas, semelhantes à diarreia, indicam problemas. Fezes muito grandes e espessos são sinais de constipação.
            Você também pode ensinar seu filho a checar suas próprias fezes e relatar como elas são. (Sim, tudo isso parece nojento, mas é importante que as famílias falem sobre isso, e muitas crianças acham divertido falar sobre as próprias fezes.) Finalmente, tente manter acompanhamento sobre quando foi a última vez que o seu filho defecou.
            Eu sei que o sonho da maioria dos pais é o dia em que seus filhos pequenos irão ao banheiro sozinhos. Eu também espero por esse dia. Mas não fique tão obcecado pela sua liberação dessa tarefa Você precisará prestar atenção aos hábitos de eliminação do seu filho até ter certeza de que ele de fato consegiu!

Fonte: Texto publicado originalmente em inglês, em março/2012, no site: http://www.babble.com/toddler/toddler-health-safety/dangers-potty-training-early/. Traduzido e adaptado para o português por Taicy Ávila.